Amanda
sempre foi uma mulher insegura. Influenciada pelas implacáveis opiniões alheias
e vivendo intimidada pelo olho do outro,
tenta compensar seus fracassos amorosos através de algum sucesso
profissional. Ao mudar-se para a nova
casa, talvez exageradamente grande para suas necessidades, faz uma descoberta
surpreendente ao encarar alguns de seus medos e finalmente entrar no porão da
residência. Tinha medo de porões. Mas ao descer ao obscuro local, faz uma
descoberta bizarra e que mudaria totalmente os rumos de sua bem organizada, porém
infeliz vida. Ao penetrar nos recônditos mais escuros e assustadores de onde
mora e ao meso tempo em seu próprio ser, vislumbra uma nova perspectiva, um
novo mundo, que lhe fascina; no entanto, para seguir por esse caminho terá de
pagar um preço. Uma estranha alegria vai aos poucos tomando corpo, e algo
sinistro age no íntimo de Amanda numa misteriosa mistura de êxtase e sensação
de segurança nunca sentida até então. O preço a pagar não importa, desde que
possa prosseguir sua trilha rumo ao desconhecido, que aos poucos, passa a compreender
e desejar ardentemente. Enfim, uma nova vida em que o tempo de humilhações e
inseguranças do passado não tem lugar. Agora, uma mulher resolvida e sedutora
assume as rédeas, e o mundo passa a ser um playground
para seus novos desejos e caprichos. Sangrentos caprichos...
A
mais louca aventura sempre se dá dentro de nós mesmos, e os labirintos que nos
esperam são feitos de negros abismos. A jornada é assustadora, mas
gratificante. O autoconhecimento se dá em meio a um rebuliço promovido pelas
mais estranhas figuras e os mais tenebrosos sentimentos; uma festa diabólica e
disforme em que só os muito determinados conseguem encarar. A protagonista
encarou. Daí em diante tudo passa por tomadas de decisões, uma vez que a moral que seve para todos já não serve
para o aventureiro das trevas. É preciso agora moralizar, tomar decisões, fazer
as coisas por conta própria, assumir-se, ser
o que é. O famigerado olho do outro
já não tem poder, já não diz nada, passa a ser platéia, nada mais. As
ameaçadoras forças externas se tornam risíveis, patéticas, débeis. O turbilhão
que floresce ruidoso nas entranhas do aventureiro, traz das profundezas pantanosas
o poder da mudança, uma poderosa mudança; caberá sempre a cada um decidir o que
fazer com ela. Amanda decidiu. Se para o bem
ou para o mal é outra história, até
porque esses conceitos tão repisados caem por terra, já não podem nada, são
estéreis diante da nova moralidade do viajante sinistro. Ao descobrir a besta
que dormia na escuridão e tomar a decisão de alimentá-la, ou seja, não deixá-la
morrer de inanição, Amanda toma um rumo que é só seu e assume os riscos que por
ventura decorram daí. É um primeiro passo, um novo caminho, e exige coragem, as
grandes decisões exigem coragem. Haverá as recompensas e os gozos, assim como
os devidos cuidados. A decisão de ir para o lado marginal e proibido da vida é
um divisor de águas, não terá volta, é o caminho brutal que leva ao inferno,
que a essa altura é uma espécie de paraíso das delícias para quem se
transformou em fogo! A sedução da cobra só é aprendida por quem tem coragem de
freqüentar seu ninho. Amanda teve. E a primeira lição é simples: se você não
quer ser picado pela serpente, transforme-se em uma.
Dito
isto, quero ressaltar que este é um livro violento e não recomendável para
espíritos mais delicados, sempre faço questão de alertar para isso. Um amigo me
perguntou certa vez por que eu pego tão pesado. Respondi que é o jeito de eu
produzir minha arte. Seria como pedir, guardadas as proporções, para Tarantino
escrever o roteiro e dirigir um musical romântico. Cada um na sua. Se sexo e
violência estão presentes em minha obra é porque são absolutamente necessários
para a compreensão do contexto que quero expor. Felizmente tenho recebido mais
elogios do que críticas. Sendo assim, e tendo avisado o caro leitor(a) do que
virá pela frente, só resta desejar uma boa leitura e reflexão sobre o exposto
nesta obra. Como disse antes, a viagem às trevas exige coragem, e se tudo for
bem observado e percebido durante a tenebrosa trajetória nas sombras, com
certeza então terá valido a pena. Aqui não é proibido pegar uvas ao passar pelo
parreiral. Pelo contrário. E se resultar em bom vinho, melhor ainda. Dionísio
agradece. Boa aventura!
Roberto Axe
Porto Alegre, 10 de março de 2019.