segunda-feira, 11 de junho de 2012

A ROUPA DO MORTO

...e eu aqui deitado imóvel parado... devidamente paramentado, com gente deste e daquele lado...vejo rostos desconsolados [e outros meio gozados...] Cabeças que me olham do alto...A Vera tá usando salto? Tem gente que não conheci, tem outros que não vejo aqui, não sabem que morri. Sinto-me um pouco humilhado, por todos assim olhado. E a roupa com a qual me vestiram? Tiveram nenhum cuidado! Até o sapato se duvidar tá furado! E lá fora? Ou muito me engano ou é gargalhada! É gente contando piada! Ou... [é só o que faltava] a sola do meu sapato... tá mesmo arruinada! Agora me encara a Rosinha, putinha, alisa minha gravata, que me deu de presente em não me lembro que data; se a patroa descobre me mata! - Ops! Em tempo a errata! E o Osório, coitado, deixou este paletó por lágrimas melado; quantas vezes no meu ombro chorou seus infortúnios, o desgraçado. Levo comigo seu DNA desconsolado - mas hoje não vi lágrima cair do teu olho, danado! ...e esta minha camisa, que usei na formatura da minha filha, quem diria, me acompanhará na escura e fria trilha... [Falar nisso, cadê a Marília?] ...e minhas cuecas, putz! Me puseram uma “samba-canção” talvez pra santificar o defunto, que quando morto vira santo... ahã, nessa não caio não. E esse de pé aqui ao lado, ri miudinho, o putinho, ainda vai me derrubar a porra do cafezinho! Entornar em minhas calças, presente da patroa que garantiu, ficaram boas pra eu usar no próximo verão. Calça boa, de algodão. Pra onde vou, amor, preciso de calça não! Mas vá lá... prêmio consolação. Até minhas meias, que comprei em Paris, [ah os bons tempos...] parecem rir nos meus pés como quem diz: “me compraste por me achares grossa e quente, para aquecer os teus pés, seu mentiroso demente!Olha agora a ‘fria’ em puseste a gente! “ Até um lencinho de seda, mimo singelo de meu casamento, está aqui no meu bolso, murchando triste e lento... – Vai comigo meu filho, lamento... lamento... Estranha essa gente, olha pra mim, pra minha roupa, e comentários não poupa: “Não tava bem o finado; olha só, o sapato furado” ou “Esse paletó tá danado!”. É, mas quando ainda vivia, e de dinheiro não carecia, tirei muita gente de fria! É... os vivos têm cada mania! e... Tem gente que entra e tem gente que sai. Tem gente que vem e tem gente que vai. Tem quem não se dê conta, que se distrai, e por curiosidade se trai; toca na mão do morto pra sentir a temperatura... acaricia, sente a textura... Opa! Agora gostei! Vejo aproximar-se pequena multidão. Finalmente! Choram, gemem, vejo até empurrão. Na certa reconheceram no morto o bom cidadão! Que bom! Que bom! É pingo de lágrima na lapela, é beijo, beijinho, beijão! Mas... Pura ilusão... é só o momento de fechar o caixão... [A todos peço perdão, por encerrar esse relato assim, de supetão!]