Que tristeza a letra morta.
Como é duro vê-las pisoteadas como formiguinhas em um papel
branco. Ali, alinhadas apenas para fazer sentido, não sentindo, só sentido, em
uma frase igualmente morta. Letras exangues, pálidas, estéreis... letras
figurativas nos cemitérios dos documentos. Ali elas não falam, só calam, e
caladas, estáticas, cedem, inertes, suas exuberâncias. Cedem o que poderiam ter
sido, cedem seus corpos, feitos para viverem das encarnações de mistérios desconhecidos, cedem sua
majestade apenas para fazer sentido. A
letra fria, tão amada pela burocracia. A
letra que não diz nada, que só aponta, com seu cadáver, aonde vai a fria
estrada. Letras que não desabrocham nem
voam, sem beleza nem desespero, letras sem gosto, sem tempero! Múmias cravadas
no deserto, sem nenhuma idéia por perto. Agrupadas em palavras com esmero
arranjadas, palavras que não se defendem e que já não podem nada. Letra, palavra, frase, parágrafo, item, inciso,
o raio que o parta! No jazigo do documento a letra sinaliza, mas não fala!
Sua sonoridade não canta!
Sua sinuosidade não encanta!
Dissecadas até o talo, parecem dizer: a partir daqui eu me calo...
Ah, mas não há de ser nada, essa morbidez passa...
Que a metafísica do sentido é eterna.
E a letra que no
documento jaz morta a dar coesão aos esquemas, há de renascer vitoriosa, flor
de Sol, no jardim dos poemas...