sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O HOMEM QUE VOLTAVA - Prefácio

Enseada Branca é um lugarejo que começa no deserto e termina no mar. De um lado o inóspito e do outro a vida pujante, entre um e outro vivem os habitantes do local. Para os lados do deserto temos o Sol inclemente e as areias escaldantes onde tudo é bem visível e claro, já para os lados do mar, tudo permanece imerso em seus insondáveis mistérios. Porém, aos poucos a cidade vai sendo engolida pelas areias, mas o fato não parece importar muito aos seus habitantes. Neste livro, mais uma vez, lanço mão do expressionismo com que construo minhas obras, porém desta vez mudei algumas coisas: deixei de lado a narrativa subjetiva do protagonista e me fixei mais nos diálogos. Decidi que esta história deveria fluir de modo diferente, deixando que os próprios personagens a conduzissem com suas respectivas dinâmicas. Sendo assim, tudo se desenvolve com rapidez e a trama flui solta através de diálogos não muito extensos e acontecimentos que vão se interpondo de forma a fruir num ritmo fácil. A intenção é contar uma história compacta, intensa, vívida, porém de forma corrente. Também uso de um humor com tinturas picarescas para temperar os sinistros acontecimentos em Enseada Branca, para que a narrativa não adquirisse ares carrancudos, uma vez que se passa, para o bem e para o mal, em uma praia.  A história gira em torno de um rapaz tido como pária na pequena cidade, que é [in] justiçado e trucidado pelos homens da localidade e tem seu cadáver jogado ao mar. O problema é que ele volta, ele sempre volta, por mais que caia em novas emboscadas e tenha seu corpo dilacerado e jogado novamente nas vivas águas. E volta cada vez mais forte e sinistro, mais consciente, mais sagaz, mais irreverente. Seu nome é Giano Daemon, seu apelido: o faroleiro. Este apelido se deu pelo fato do homem habitar as ruínas do farol abandonado da enseada.  Aos poucos então uma estranha mudança vai acontecendo com o faroleiro, pois sempre que volta, vem mais parecido com um tubarão.  Aos habitantes de Enseada Branca só resta o medo de seu próximo retorno, e de sua terrível vingança. Abordo como sempre, através da metáfora do romance, o eterno balanço entre esse tal ‘Bem’ e esse tal ‘Mal’ e suas respectivas relatividades, bem como o consciente e inconsciente, e seus mananciais. Essas coisas sempre me fascinaram. O que é compreendido e o que não é. O que é visível e o que não é. O que é tangível e o que não é. E aqueles que se submetem às hipocrisias cotidianas e os que não se dão a isso. A Sociedade e suas crenças, seus paliativos, seus confortos e consolos; sua mentalidade desvirilizada e incorpórea, porém violenta. O ódio aos instintos. O ódio à Natureza que não se deixa domesticar [de resto, o ódio a qualquer coisa que não se deixe domesticar, incluindo aí, pensamentos...]. A teoria, a conformidade, a Lei conveniente, o útil, o fantasmagórico versus esse demônio, diabo, capeta, coisa ruim, cão, chamado ‘corpo’. Um corpo só aceito se esquizofrênico, dividido entre o que verdadeiramente sente e o que ficou pactuado para sentir. O ‘status quo’ só tolera, e cada vez mais, a aparência externa do corpo, desde que dócil, a interna é temida por ser intangível à visão. O corpo, emissário risonho, dançante e pensante da indomável e irreverente Natureza é excomungado, rechaçado, ‘persona non grata’ nas coisas tidas como ‘elevadas’. Talvez para sempre seja assim, o corpo caluniado e responsabilizado por todos os males do mundo; talvez se tente convencer de que sem ele tudo estaria moralmente salvo. Mas a Natureza é a própria vida! Sendo assim, que todas as providências sejam tomadas por toda a eternidade [eis uma de suas inimigas mortais, com o perdão do trocadilho] para eliminar o corpo e seus instintos, seja através das mais variadas doutrinas e filosofias, seja na estranha ‘felicidade’ de enaltecer sua não-presença, seja isso ou aquilo. Mas tudo sempre será em vão com relação a esse impertinente. Ele volta, ele sempre volta...

Em tempo: este é um livro sobre deserto, mar, gente, e tubarões. Não necessariamente nesta ordem.

                                                                        Roberto Axe
                                                      Porto Alegre, 03 de setembro de 2014.



O HOMEM QUE VOLTAVA -sinopse

Enseada Branca é um lugarejo litorâneo esquecido pelos mapas que aos poucos está sendo engolido pelo deserto. Refém do mar e das areias, vai ficando cada vez mais por conta própria, isolado do resto do Mundo. Os acontecimentos na cidade se precipitam quando um  desocupado, habitante do farol abandonado da orla, é acusado pela população por um crime que não cometeu. Conhecido pelo codinome de ‘faroleiro’, o rapaz é linchado e morto pela turba enfurecida e seu corpo é jogado ao mar. Mesmo sabendo de seu erro, a cidade retoma sua rotina de peixes, areia e sol inclemente, evitando falar em injustiça. Mas tudo muda quando numa noite um homem emerge das águas da enseada e caminha pela praia até o farol. Ao dar-se conta de que o faroleiro havia voltado, a população entra em polvorosa  e temendo a terrível vingança, arma um plano para eliminá-lo novamente. O problema é que por mais massacrado que seja seu corpo, o faroleiro sempre volta do mar; vem mais sinistro, mais assustador, mais parecido com os tubarões, criaturas com as quais aprende a nadar em águas cada vez mais profundas...      

Livro - O HOMEM QUE VOLTAVA - Capa


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

BLOQUEIO

Pensamento sem ruído

Processo interrompido

Mente sem alarido

Calmaria sem sentido

Problema convertido

Barulho desapercebido

Pesadelo resolvido

Sorriso intrometido

Cachorro querido

Café aquecido

Travesseiro caído

corpo despido

desassossego foragido

desespero fingido


Escritor é assim

Quando se encontra


Está perdido 

terça-feira, 24 de junho de 2014

LETRA MORTA

Que tristeza a letra morta.

Como é duro vê-las pisoteadas como formiguinhas em um papel branco. Ali, alinhadas apenas para fazer sentido, não sentindo, só sentido, em uma frase igualmente morta. Letras exangues, pálidas, estéreis... letras figurativas nos cemitérios dos documentos. Ali elas não falam, só calam, e caladas, estáticas, cedem, inertes, suas exuberâncias. Cedem o que poderiam ter sido, cedem seus corpos, feitos para viverem das encarnações  de mistérios desconhecidos, cedem sua majestade apenas para fazer sentido.  A letra fria, tão amada pela burocracia.  A letra que não diz nada, que só aponta, com seu cadáver, aonde vai a fria estrada.  Letras que não desabrocham nem voam, sem beleza nem desespero, letras sem gosto, sem tempero! Múmias cravadas no deserto, sem nenhuma idéia por perto. Agrupadas em palavras com esmero arranjadas, palavras que não se defendem e que já não podem nada.  Letra, palavra, frase, parágrafo, item, inciso, o raio que o parta! No jazigo do documento a letra sinaliza, mas não fala!

Sua sonoridade não canta!

Sua sinuosidade não encanta!

Dissecadas até o talo, parecem dizer: a partir daqui eu me calo...

Ah, mas não há de ser nada, essa morbidez passa...

Que a metafísica do sentido é eterna.

 E a letra que no documento jaz morta a dar coesão aos esquemas, há de renascer vitoriosa, flor de Sol, no jardim dos poemas... 

sexta-feira, 21 de março de 2014

"asas"

Rasguei contratos
Arruinei tratados
Picotei gravatas
Pulei muros
Chutei baldes
Quebrei pratos
Afrouxei cordas
Soltei amarras
Cruzei fronteiras
Pulei dos barcos
Chutei bundas
Virei copos
Pisei nos rabos
Ri dos rituais
Acendi fogos
Queimei roupas
Chacoalhei as canoas
Derrapei nas curvas
Mostrei a língua
Ri pacas
Fiz careta
Abri  gaiolas
Soltei os bichos
E quando vieram me prender...
Bati asas

Roberto Axe
                                                                                


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O CLUBE - sinopse do livro

Neste livro, vamos colar em Enzo Caio e acompanhá-lo em sua estranha trajetória. Enzo é um escritor iniciante e medíocre de livros de terror, que mesmo antes de ver seu primeiro trabalho nas prateleiras, recebe a misteriosa visita de um veterano autor deste gênero de obras. Seu nome é Rodolfo Zattan. Zattan é cobra criada no tocante aos chamados livros negros, livros nos quais são narradas experiências assombrosas com extremo realismo. Para receber o rótulo de livro negro, distinção que garante o sucesso de vendas, é necessário que seu autor saiba ‘literalmente’ do que está falando, ou seja, de suas próprias experiências. Se Enzo quiser alcançar o êxito nesta modalidade de literatura, deverá aceitar o convite de Zattan e pertencer a um grupo de autores psicopatas e assassinos que formam uma obscura agremiação: O Clube. Sob a proteção hermética das paredes de um castelo retirado, esses autores de livros negros dão vazão aos instintos mais sinistros e sangrentos. Tudo pela ‘Arte Negra’ pregam eles. Enzo, mesmo temeroso, aceita o convite, pois vê aí a chance de revelar ao mundo a brutal irmandade através de uma obra que obrigatoriamente deverá tornar-se um best-seller e alçar seu nome à fama mundial. O escritor, sem demora, passa a freqüentar o castelo e seus horrores, mergulhando em um pesadelo horripilante. A sombra então abre suas asas e revela um enfrentamento demoníaco, do autor contra o pior assassino que sequer alguma vez poderia imaginar; um assassino obscuro, silencioso, terrível... aquele que mora nele mesmo...   


O CLUBE - Prefácio do livro

Até aonde podemos cair quando o abismo se abre aos nossos pés, quando despencamos na imensidão de nós mesmos? Quando uma infinidade de possibilidades nos é apresentada, jogada em nossa cara? Creio que somos feitos das portas que abrimos, e também, das que fechamos. Enzo Caio, o protagonista deste livro, irá enfrentar as conseqüências de abrir portas. Abrir portas requer coragem, requer honestidade. Nem tudo são flores quando cruzamos soleiras, umbrais; quando cruzamos divisórias que há muito, muito tempo, nos dizem serem proibidas, e nos aconselham a não tocar em seus trincos, a não encará-las; mas convenhamos, não há nada que nos atraia mais do que as coisas proibidas. Os dedos medrosos e trêmulos que nos apontam essas portas e nos pedem para que fiquemos longe, são os mesmo que espargem a moral asséptica que crêem poder protegê-los, porém, nem tudo é tão simples. Existem os aventureiros que aceitam esse desafio e vão em frente sabendo que mais adiante terão de arcar com as conseqüências. Ah... as conseqüências... sim, é de como voltamos da aventura que conta, o que trazemos em nossas mãos, ou o sangue que escorre de nosso olho, enfim, o que encontraremos ao voltar a olharmo-nos no espelho. Enzo Caio aceitou o desafio, pois se julgava um escritor medíocre e não tendo nada a perder, concluiu que ao juntar-se aos cruzadores de portas e depois escrever sobre eles lhe traria a fama, a fortuna e o respeito da mulher amada. Mas, novamente, nada é tão simples...  as decisões que tomamos podem trazer conseqüências, principalmente se pensarmos só em fama e fortuna. Se por um lado existem os dedos medrosos que aconselham a distância e o temor das referidas portas, por outro existem as mãos suaves e cavalheirescas que as abrem e formulam o convite ao desconhecido. Nosso herói tem de pagar um preço, mas estaria pronto para isso? Esta é a proposta que lhe é feita por um autor veterano, pois este acredita que a escrita exangue e ingênua de Enzo se dá justamente por este não cruzar os portais certos. Um outro mundo é apresentado ao nosso protagonista, um mundo que cheira à faca, sangue, e carne... ‘gosta da carne, Enzo?’ esta é uma pergunta que confundirá o novato escritor, e será um dos tantos fatores que o empurrarão para a queda em um abismo sombrio; um corpo que cai livre, solitário, desnudo e sem máscara, na imensidão de si mesmo.  Agora já não tem volta, as máscaras caíram, despedaçaram-se e as portas já estão abertas... então, restam as conseqüências e como lidar com elas. Enzo Caio descobrirá que ninguém é tão simples quanto parece e que ele não era tão simples quanto imaginava. Ma isso é bom ou ruim, é ‘bom’ ou ‘mau’? É o que Enzo vai saber, sentindo um amargo [ou doce?] gosto de crime na boca. Ao deixar pelo caminho a antiga pele para trás, tal qual uma cobra, verá descortinada à sua frente a possibilidade de ser um novo homem, mas, quem será este? O caro leitor saberá em breve...
 Neste livro abordo mais uma vez a dança perpétua entre luz e sombras e, também mais uma vez, ao fazê-lo, deixo de lado aquela velha carrancuda e ladina chamada “Moral”, velha esta que com seu tempero caseiro contamina tudo com aquele ‘e viveram felizes para sempre’; prefiro a vida real e os caminhos e descaminhos que ela implica; é mais interessante e mais divertido! E se tem uma coisa para qual não nasci é para o tal ‘vale de lágrimas’, que a velhota essa tanto ama. Prefiro esta dança misteriosa: a da luz e sombra... mas lembrem-se, é a luz que ilumina a porta e ela vai só até ali, depois, bem, depois estamos por nossa conta, como é o caso de Enzo Caio. Em tempo, é bom avisar aos navegantes: às almas singelas e impressionáveis não aconselho a leitura deste livro, aos demais, boa leitura.     






                                                                                              Roberto Axe