terça-feira, 19 de março de 2013

O CASO CRISTINA


Pois é meus caros amigos...

Fosse eu alguém cujo sono embalasse com sua doçura balsâmica tão logo colocasse a cabeça no travesseiro, talvez esta situação não me incomodasse tanto. Mas não, minha indefectível insônia há muito vem protagonizada por uma mulher chamada Cristina. Não é que a Cristina não me saia da cabeça, não, não é isso, o que não me sai da cabeça é a dúvida se ela, minha cabeça, começou a me pregar peças ou não. Estarei enlouquecendo? Talvez, mas garanto a todos que este é um caso em que: ou estou louco, ou todo mundo está! Parece um pouco confuso? Bem, para entenderem a coisa, eis a história.

Há muitos, mas muitos anos mesmo, que nossa turma de amigos reúne-se em jantares ocasionais, principalmente em aniversários. Como não podia deixar de ser, com o passar do tempo as pessoas casam, constituem família, e suas presenças nesses eventos vão tornando-se mais raras, pois o envolvimento com filhos e outras atribuições do cotidiano contribuem diretamente para essa diáspora. Nada mais natural. Natural também é o fato de que quando depois de um bom tempo alguns ‘sumidos’ retornem a esse efêmero convívio, sejam saudados com carinho e euforia...Pois bem... é aí que o mistério começa. 

Quando em uma dessas ocasiões, Cristina chegou com o marido. Foi muito festejada, pois realmente havia anos que ela não dava o ar da graça em nossos jantares. Cristina casou com Celso, sujeito de poucas palavras e de uma simpatia forçada – para não dizer duvidosa – como alguém que deixasse claro que se não fosse pela esposa, ele não estaria ali. Celso nunca foi da turma, Cristina o conhecera alhures e desaparecera por bom tempo para criar filhos e essas coisas... enfim, agora depois de muitos anos, voltava. De minha parte, em outras ocasiões, sempre a recebi com gentileza e alegria, até porque no passado, quando ainda era solteira, tivemos um rápido caso. Era por conta desse caso que nossos olhares assumiam um ar de cumplicidade tão logo se encontravam, era involuntário, coisa de um carinho mútuo – talvez permeado por pequenos ódios invisíveis, pequenas frustrações, nunca se sabe – e de uma camaradagem espontânea. Nesses jantares perguntávamo-nos sobre qualquer bobagem, quase que aguardando a resposta só para rirmos e darmos vazão ao gozo cúmplice e secreto de nosso encontro. Quanto a Celso, a tudo acompanhava meio alheio e carrancudo. Até aí tudo bem, mas veio o jantar em questão. Cristina e Celso chegaram, houve muitos cumprimentos, risadas, abraços, salamaleques, e um cara chocado... eu.

Aquela mulher com o Celso não era a Cristina!

Meu espanto foi tanto que tive de ir ao banheiro, não sem antes conferir a qualidade da vodka, para lavar o rosto. Não era a Cristina! Mas então... como assim, será que só eu vejo o que ninguém percebe? Quando de minha vez de cumprimentá-la olhei-a bem nos olhos e não encontrei nada, era algo morto, não encontrei o veneno suave que sempre caracterizou seu olhar maroto. Mas realmente isso é o de menos, pois tudo era tão claro, tão berrante! Era outra mulher, outro rosto, outro semblante, outro tudo! Caramba! E todos a saudá-la, inocentemente, como se não percebessem tratar-se de uma impostora! Chamei de canto então um amigo para tirar explicações:

-         Vem cá, irmão, isso é alguma brincadeira? Alguma pegadinha?

-         Como assim? – perguntou surpreso.

-         Ora, não me vem com essa, você não está vendo? Essa mulher não é a Cristina!

-         Cara, cê tá doido?

-         Dá uma olhada daqui, olha lá! porra meu, não tem nada a ver! Olha só aquele rosto... nunca vi na vida! Não é ela!

-         Cara, calma – disse meu amigo com um sorrisinho que me incomodou – tá um pouco diferente, também, quantos anos né? Vai ver fez plástica... sabe como é... puxa aqui ali... mas que é ela é ela! Você tá louco, isso sim!

Fiquei tão indignado que fui embora, inclusive aproveitando a despedida para certificar-me, mais do que nunca, de que aquela mulher não era a Cristina. No caminho de casa fiquei imaginando o que poderia ter sido feito da minha doce amiga. No mínimo aquele marido horroroso a havia matado, se livrado do corpo e posto em prática seus dons hipnóticos... só pode ser, mas comigo não funcionou.  Até hoje não engulo essa. Comentei isso com outros parceiros e todos me tiraram para pirado!

Ah, sim...

Houve outros encontros depois disso, e sempre a mesma coisa; de minha parte desisti. Convivo nessas ocasiões com a impostora, mas é como se estivesse com o fantasma de Cristina, ou nem isso, para mim aquela mulher não é nada! Quanto a Celso, olho-o bem no fundo dos olhos para que fique ciente de que sei de tudo, que sou o único que sabe de tudo, que sou o único que não se deixou levar por sua pantomima sinistra e que um dia, quem sabe, irei desmascará-lo!

E a todas essas, a minha insônia...

E a dúvida

Cruel

Se não estou, realmente, enlouquecendo...