Nada intrigava mais suas amigas.
Sim, essa mania, estranha mania, ou até quem sabe, esse
melancólico vício. Desde que seu marido a abandonara Helena não saía da janela.
Parada, olhar perdido, poucas palavras, tristeza, melancolia... Helena agora sempre prostrada, aquele olhar
mortiço, indiferente. Certo, essa atitude quase mórbida as amigas podiam
entender, afinal, fora abandonada feito um brinquedo velho por aquele cara
ordinário que nunca prestou mesmo; o que encasquetava as mulheres era a mania
de Helena ficar a olhar pela janela dos fundos e não, pelo menos, ficar junto à
janela da frente vendo o movimento na rua, pelo menos... Quem sabe – comentavam – ela faça isso como
um sinal de protesto, como se deixasse claro de que não quer mais nada com o
mundo exterior. Aquelas ruas pelas quais o desgraçado evadiu-se para sempre,
ruas sujas, escrotas, más! Quem precisa delas? Bastava-lhe seu mundinho, sua
casa, casa vazia, solidão, solidão...
As amigas tentavam levantar o Moral de Helena em vão.
Reuniam-se, chegavam juntas para visitas, traziam bolos, chás, vinho, revistas,
mas a mulher apenas esforçava-se para ser simpática, nada mais. Passados alguns
minutos depois da chegada das amigas, Helena, quase num gesto mecânico,
postava-se diante da janela dos fundos e ficava com o olhar perdido. Pobre
Helena. Cada vez mais pálida, as olheiras engolindo lentamente seus olhos
tristes, a mulher sempre de costas para a rua, na janela dos fundos. Pobre
Helena.
As amigas combinaram que não iam desistir da sofredora,
ora, ela era sempre tão alegre antes daquele canalha abandoná-la, aquele
escroto que era dado à bebida e à jogatina e que disse certa vez: “um dia
saio por essa porta e não volto mais! E você vai passar o resto de sua vida
olhando por essa janela esperando eu voltar!” . Helena negava-se a isso,
com certeza, era uma vitória pessoal não fazer o que danado previu do alto de
sua soberba. As amigas sabiam das coisas. A pobre mulher cansara de esperar
pelo marido durante as madrugadas frias, ali, na janela e já até acostumara-se
quando enfim lá pelas tantas ele despontava trôpego pela rua e, cara de pau que
era, vinha chamando seu nome “Helena! Helena!” não raras vezes abaixo de
chuva.
Um dia as amigas forçaram a barra, não sairiam de sua
casa se ela não lhes revelasse o segredo da janela... “por que a dos fundos
e não a da frente?”
Helena contou às amigas, entre soluços, que foi depois de
uma dessas saídas noturnas que o
bandido não voltou mais e na ocasião, como sempre, ficara de plantão junto à
janela que dá para a rua, esperando o filho da puta voltar, bêbado, sempre
gritando seu nome, sempre descomposto. Mas nunca mais voltou. Jurara desde
então que nunca mais ficaria junto à janela que dava para a rua esperando seu
homem, não, jurara, não, nunca mais.
As amigas deram-se por satisfeitas e a abraçaram, logo
depois pediram desculpas, mas tinham de partir, pois um grande temporal
formava-se e já estava escurecendo. “Tudo bem” disse a anfitriã. As
mulheres partiram.
Temporal.
Solidão.
Chuva que cai torrencial...
Janela dos fundos.
Casa escura.
Olhos cravados no quintal, como sempre... pupilas
dilatadas, chuva crepitando ruidosa no solo arenoso. Relâmpagos clareiam o
semblante fechado da mulher. Semblante de preocupação... preocupação com essa
enxurrada desgraçada que da última vez
lambeu o pátio com sua volúpia louca de tormenta e quase revela a cova rasa, ali, bem ali, à frente da qual,
quieta, ela passa parte dos dias e das noites, mas as amigas não sabem