quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A PANTERA DO PORÃO




A fera se deliciava. Aquela carne fresca, todo aquele sangue. A escuridão segura daquele porão... e o cheiro cúmplice da morte. Apenas a pequena vela em um canto do recinto emprestava seu fogo dançante à cena macabra. A mulher, sentada nua no chão, em um canto, imersa naquela sombra tão confortável e mansa, observava a pantera em seu regozijo. Uma observadora serena em sua excitação calma, embalada por uma lascívia etérea e crescente. Observava atenta seu animal destrinchar com volúpia e cuidado aquele corpo morto de homem que agora mais parecia o de uma boneca de pano na submissão àquela força ferina.  Casualmente a cabeça da presa, que pendia inerte apenas ligada por tendões e músculos teimosos, mantinha os olhos abertos em direção à mulher, como que pedindo uma explicação para o porquê daquela morte tão prematura e violenta de que agora era vítima. A pantera lambia ossos expostos num cuidado zeloso pelo alimento; de tanto em tanto, parava e olhava diretamente nos olhos da dona, numa cumplicidade só possível nas sombras. – Come, meu amor, come... – disse a moça, levando calmamente a mão à sua boceta totalmente molhada; sentiu no esperma do morto, que caia lento da vagina inchada, a reminiscência viva do coitado. O que dele ainda era vivo estava nela. Uma sensação de poder e gozo lhe assaltou de supetão, ela conhecia muito bem aquele sentimento delicioso que agora se apossava de sua pele. Seu rosto foi tomado por um calor de quarenta graus, e ela começou a emitir gemidos; seu corpo começou a tremer e a esquentar numa sensação febril e incontrolável. Puro prazer. Manuseava o clitóris com sofreguidão e a pantera em consonância emitia pequenos grunhidos oriundos do deleite daquela carne morta e suculenta. A luz do tímido fogo da vela clareava com seu amarelo indeciso, o chão enegrecido em torno do banquete da besta. Era um sangue denso e aquele cheiro, ali, naquele ambiente tão pequeno, a qualquer um causaria fortes náuseas, mas não a ela. Ela não. Ela não era mais qualquer um. E uma risada explodiu ruidosa; seu corpo tremeu inteiro assolado por um prazer incontido e puramente carnal... um prazer de fera!  Retirou a mão de sua boceta, que se transformara em uma suculenta flor desabrochada pelo calor do instinto, e botou na boca. Lambeu seus dedos com todo aquele líquido pastoso, produto de sua excitação desenfreada misturado ao sêmen do morto, e não agüentando mais, deu início a um gozo alucinado, e enquanto lambuzava com os dedos sua boca e seios, a outra mão trabalhava, frenética, em seu clitóris, este parecia que iria explodir um prazer selvagem a qualquer momento, levando através de um rastilho de fogo, o apoteótico orgasmo ao fundo de seu útero. A pantera pressentiu o êxtase da mulher e na cumplicidade daquela escuridão, rugiu com força, mais de uma vez, fazendo com que seu hálito quente de sangue chegasse àquele corpo vivo que se contorcia, febril, em seu canto; então os gritos e os rugidos se misturaram num amalgama de êxtase cego.  
   


 Trecho do livro A Pantera do Porão.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A GOSMA

A Gosma gruda tão logo acordamos. Ninguém vê a Gosma, não a ouve, bem, pelo menos não com sua própria voz. A Gosma fala pela voz dos outros, nos vê através dos olhos alheios, nos atinge morna e mansa através de seus agentes, ingênuos agentes que ela usa e abusa, tão inocentes que são; carregam a Gosma mas não percebem. A Gosma está em tudo. Está na voz do apresentador de TV,na notícia do jornal, no olhar da vizinha, no riso do cara da banca, na bondade da professora, na mão esticada do novo amigo,na saudação do velho que passa, no pedido da empregada, na mensagem do Presidente, a Gosma é nojenta, gruda. Não há banho que a remova. Ela vem pelo rádio, TV, revistas, internet,e... livros, mas... aí há um problema para a Gosma; não são todos os livros que se dispõem a serem melados pelo seu gosto sem gosto, seu cheiro sem aroma, até porque a Gosma fala mas não diz, ouve mas não escuta! A Gosma é amorfa e inodora. Bem, os livros... aí a salvação! É da Arte que se serviram e se servem os que se negaram ao conforto morno da Gosma.. ufa!Sim,uma saída! A Gosma odeia tudo que não fala da Gosma.A Gosma não gosta de nada que anda, ela é estagnada, mansa, pegajosa. Seus agentes nos cercam com seus olhares piedosos e nos pedem, silentes, que nos lambuzemos com a Gosma, mas agora já é tarde, já passamos muito tempo atendendo pedidos gosmentos. É a nossa vez, corremos então em direção ao mar, nada ficará em nosso corpo, é um banho purificador! Sabemos que a Gosma detesta o mar!Detesta a Noite!Odeia o que não vê! Mergulhamos finalmente alegres na imensidão, um mergulho na liberdade da Arte, um mergulho satânico!